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CAPES promove debate sobre Acordos Transformativos

por TATIANE PACANARO TRINCA

O Brasil tem avançado em direção à formalização dos chamados Acordos Transformativos. Exemplo disso foi o evento realizado em 17 de maio de 2023 pela Capes, Workshop Colaborativo sobre Acesso Aberto e Acordos Transformativos, que contou com a participação de Colleen Campbell (Coordenadora do Open Access 2020 Initiative), Andréa Vieira, (Coordenadora-geral do Portal de Periódicos da CAPES), André Brasil (Analista em Ciência e Tecnologia, servidor da CAPES e doutorando na Universidade de Leiden-Holanda), Abel Packer (Gestor do Programa SciELO), Glaucius Oliva (Vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências), Hernan Muñoz (Diretor Acadêmico e Científico do Consórcio da Colômbia), Antonio Sánchez Pereyra (Diretor-geral de Bibliotecas e Serviços Digitais de Informação da Universidade Nacional Autônoma do México), Jeff MacKie Mason, Matthew Willmott, Rich Schneider e Günter Waibel (representantes da Universidade da Califórnia).

Objeto controverso, os Acordos Transformativos têm sido celebrados — em meio a críticas de pesquisadores e ativistas dos movimentos pela ciência aberta — por bibliotecas universitárias, instituições de pesquisa, agências governamentais e consórcios em todo o mundo, como é possível observar no site da Iniciativa ESAC, que, em maio de 2023, apresentava 768 registros de Acordos Transformativos.

Esses acordos se enquadram no escopo dos denominados offset ou offsetting agreements (em português, acordos de compensação), comuns no comércio internacional de bens e produtos industriais e militares. 

O termo Acordo Transformativo vem sendo difundido como referência a acordos negociados entre, de um lado, bibliotecas universitárias, consórcios ou agências de financiamento à pesquisa (como é o caso da Capes, no Brasil) e, de outro lado, editoras acadêmicas comerciais, em que os custos destinados anteriormente ao pagamento de assinaturas dos periódicos são redirecionados para cobrir taxas de publicação de artigos em acesso aberto (seja em periódicos híbridos ou em periódicos dourados, a depender das cláusulas negociadas em cada acordo). 

Assim, a dimensão “transformadora” inscrita no termo consiste, basicamente, em transferir os recursos tradicionalmente despendidos com assinaturas de periódicos (via contratos de assinatura de coleções ou de periódicos unitários) para que artigos sejam publicados com uma licença aberta que permita a qualquer usuário ler, fazer download, distribuir, imprimir, pesquisar, criar obras derivadas, entre outras liberdades de uso conferidas pelo tipo de licença.

Diferentemente da publicação em revistas restritas ou fechadas (que exigem assinatura para ler), para as quais os autores cedem seus direitos patrimoniais às editoras proprietárias desses periódicos, na publicação em acesso aberto, os autores retêm seus direitos autorais e, tal aspecto também tem sido objeto abordado nos Acordos Transformativos. 

Há uma diversidade de dispositivos constitutivos desses acordos, cada qual possuindo particularidades próprias, podendo existir variadas combinações: contratos de tipo Read and Publish; de tipo Publish and Read; contratos que oferecem vouchers para publicar em acesso aberto, dentre outros arranjos.

Embora contratos do tipo Read and Publish ou do tipo Publish and Read sejam recentes e contem com poucos estudos a respeito, os modelos de negócios baseados em cobranças de taxas de processamento de artigos (article processing charges – APC) existem há mais de 20 anos, movimento iniciado pela BioMed Central em 2002. 

O evento promovido pela Capes apresentou algumas experiências e perspectivas de consórcios, universidades e iniciativas da Europa, Estados Unidos e América Latina, que empreenderam a celebração desses acordos, mas não deixou de enfatizar que há críticas e muitas dúvidas sobre a sustentabilidade do modelo baseado em negociações de APC.

Andreia Vieira (Coordenadora-Geral do Portal de Periódicos) apontou alguns problemas ligados à ausência de transparência envolvendo os custos de assinaturas de periódicos, sobretudo quando se trata de contratos que abrangem periódicos híbridos, que atualmente somam grande parte das principais revistas das grandes editoras e associações científicas. 

Vieira destacou que pesquisadores brasileiros têm arcado com os custos das APC, geralmente por meio de bolsas, reservas técnicas ou mesmo de recursos destinados à pesquisa provenientes da Capes e de outras agências de financiamento. Contudo, como este pagamento está se efetuando de modo descentralizado e individual (de autores para editoras), as agências não conseguem realizar um controle dessas despesas e investimentos, o que impede negociações mais vantajosas para pesquisadores brasileiros e para o próprio Portal de Periódicos Capes, responsável por prover acesso à literatura acadêmico-científica de acesso restrito (recorrentemente identificada pelo termo paywall).

Sobre esse aspecto, Antonio Sanches Pereira (Diretor-geral de Bibliotecas e Serviços Digitais de Informação da Universidade Nacional Autônoma do México) questionou se os contratos Read & Publish são desejáveis, respondendo que há um duplo movimento que precisa ser considerado nas discussões envolvendo Acordos Transformativos. De um lado, está ocorrendo o pagamento centralizado das assinaturas dos periódicos para editoras; de outro, cresce o pagamento descentralizado e pulverizado de APC pelos pesquisadores a essas mesmas editoras comerciais. Esses dois fluxos de recursos estão desarticulados, o que implica uma perda do poder de negociação junto a essas mesmas editoras e um maior dispêndio de recursos públicos.

Nessa direção, a introdução dos Acordos Transformativos traria a promessa de eliminar um fluxo de dinheiro que se efetua isoladamente por parte dos pesquisadores. Assim, o manejo dos recursos ganharia um componente auditável por instâncias institucionais/governamentais, maior transparência, otimização e controle dos gastos direcionados às editoras. 

Não obstante, Sanches Pereira também destacou que os Acordos Transformativos disfarçam outras situações problemáticas, inclusive contraditórias. As grandes editoras estão recebendo um fluxo de dinheiro internacional (em grande parte proveniente de fundos públicos), o que permite que essas editoras privadas continuem dominando a comunicação científica e se tornem, igualmente, controladoras dos rumos do acesso aberto, movimento que surgiu fundamentalmente para se contrapor ao domínio do mercado de publicações científicas por estas mesmas editoras comerciais que, agora, negociam Acordos Transformativos. Além disso, contratos negociados com base em APC podem encorajar editoras a publicar maior volume de artigos com vistas à ampliação de suas margens de lucro.

Assim, se por um lado esses Acordos permitem uma certa racionalização dos recursos investidos e aportam maior transparência aos custos do processo de publicação (em relação aos chamados acordos de Big Deals, que geralmente possuem cláusulas de segredos e fórmulas de difícil entendimento sobre seu funcionamento), por outro, eles mantém o domínio de grandes editoras comerciais sobre a circulação do conhecimento científico, o que pode enfraquecer ainda mais o ecossistema público de comunicação científica.

COMO CITAR:

TRINCA, T.P. CAPES promove debate sobre Acordos Transformativos. CindaLab Blog. Rio de Janeiro, 3 agosto. 2023. Disponível em: https://cindalab.ibict.br/blog/capes-promove-debate-sobre-acordos-transformativos/